DOIS ANOS DEPOIS...

Marcos Pontes
02 /04/2008

Há dois anos, nesse mesmo dia, eu olhava para a Terra. A despeito de todo o trabalho científico a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS), da rotina contada a minuto, eu olhava e pensava.

Imaginava a humanidade unida e uniforme, como uma esfera, onde não existem vértices ou diferenças, apenas a melhor distribuição de tensões. Imaginava líderes do mundo pensando em um planeta saudável como a melhor herança para as futuras gerações. Imaginava o quanto somos frágeis e pequenos fisicamente, mas como nossas idéias podem nos tornar gigantes e eternos. Imaginava o significado real da nossa bandeira, e a satisfação de ter cumprido minha missão com o Brasil, levando-a pela primeira vez ao espaço. Imaginava a alegria das pessoas do meu país vendo as suas cores e o nosso Santos Dumont sendo homenageados perante o mundo. Imaginava simples gratidão e muita alegria no regresso. Imaginava a possibilidade de incentivar milhões de jovens a buscarem pelos seus sonhos através da educação. Imaginava um programa espacial forte e ativo. Imaginava paz, trabalho e felicidade.

As cidades eram lindas durante a noite. Tempestades, vistas de cima, eram como pequenas árvores de natal. Beleza e risco. Sim, havia o risco de não voltar, é claro, mas tenho certeza que minha família se orgulharia, mesmo na minha perda. Eles também foram sacrificados pela prioridade de minha missão. Eles souberam como apoiar. Eles sabem o valor das virtudes. Quanto ao restante das pessoas, de todos eu não sei das virtudes.

Minhas expectativas foram colocadas a prova no meu retorno. Porém, apesar da decepção, continuei fazendo tudo de acordo com minha missão de vida. Não me curvei ao caminho fácil. Tenho orgulho disso. Assim aprendi com meus pais. Assim é que eu sempre vou agir, independentemente da opinião venenosa dos fracos.

Recebi elogios verdadeiros e falsos. Críticas construtivas e calúnias. Fui homenageado e perseguido. Percebi que não era a mim que atacavam, mas o que eu represento. Não era o presente que criticavam, mas sim as possibilidades insuportavelmente boas do futuro. Conheci amigos falsos e inimigos verdadeiros. Aprendi com todos.

De qualquer maneira, o passado não se muda. A primeira missão espacial brasileira decolou, e a bandeira nacional, que já presenciou e presenciará o deitar das flores de muitas gerações, chegou triunfante ao espaço.

Eu cumpri e minha parte, e carrego comigo, para a eternidade, a satisfação de tê-lo feito com honra e dignidade.

Agora interessa o presente. Interessa o futuro. Interessa aqueles que realmente fazem.

Sempre temos a escolha do tipo de pessoa que queremos ser. Podemos “fazer”, arriscar a perder, morrer, e vencer, ou podemos ficar parados, congelados pelo medo, sentar e apenas lamentar. Eu espero que nossos jovens brasileiros escolham “fazer”. Eu confio na juventude. Eu espero que a história baseada nos fatos reais de antes, durante e imediatamente depois da Missão Centenário sirva de exemplo para esses jovens. Que eles não percam a esperança em sua missão, e possam também ver “a sua Terra” e imaginar, sem medo de enfrentar a vida, apenas coisas boas. Que eles não se entreguem às enormes ofertas da desistência, mas que se agarrem na tênue promessa da persistência.

A missão espacial não foi o ponto mais alto de minha vida. Este ponto ainda está por vir.

Hoje trabalho mais, e mais feliz, do que antes da Missão Centenário.

Durante a primeira metade da minha vida eu me dediquei a chegar ao espaço e provar para milhões de jovens que não importa de onde você veio, importa apenas para aonde você está indo. O filho de um servente tornou-se o primeiro astronauta profissional de nacionalidade única de um país do hemisfério sul do planeta. Entre mais de 6 bilhões de pessoas na Terra, entrou para um pequeno grupo de pouco mais de 400 representantes da humanidade que conseguiram chegar ao espaço.

Nessa segunda metade de minha vida, que nunca sabemos quanto vai durar, além de aguardar por uma nova missão espacial como astronauta e incentivar o desenvolvimento aeroespacial no país, minha dedicação é voltada para compartilhar experiência, espalhar educação, semear esperança, mostrar confiança, ensinar e aprender, ser cada vez mais humano.

Hoje, exatamente depois de dois anos daqueles dias no espaço, continuo muito feliz, na verdade muito mais feliz ainda, continuo sonhando...continuo imaginando e lutando pelo bem.

Eu agradeço a todas as pessoas que me ajudaram ao longo dessa jornada, antes e depois da primeira missão espacial brasileira. Sem eles, certamente nada seria possível.

Também agradeço a todos aqueles que tentaram me prejudicar e atrapalhar. Eles me deram a chance de descobrir que eu era capaz de realizar muito mais do que eu imaginava. Eles me deram a chance de vencer!

 
Marcos Pontes
Colunista, professor e primeiro astronauta profissional lusófono a orbitar o planeta, de família humilde, começou como eletricista aprendiz da RFFSA aos 14 anos, em Bauru (SP), para se tornar oficial aviador da Força Aérea Brasileira (FAB), piloto de caça, instrutor, líder de esquadrilha, engenheiro aeronáutico formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), piloto de testes de aeronaves do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), mestre em Engenharia de Sistemas graduado pela Naval Postgraduate School (NPS USNAVY, Monterey - CA).
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