Há
dois anos, nesse mesmo dia, eu olhava para a Terra. A despeito
de todo o trabalho científico a bordo da Estação
Espacial Internacional (ISS), da rotina contada a minuto,
eu olhava e pensava.
Imaginava
a humanidade unida e uniforme, como uma esfera, onde não
existem vértices ou diferenças, apenas a melhor
distribuição de tensões. Imaginava
líderes do mundo pensando em um planeta saudável
como a melhor herança para as futuras gerações.
Imaginava o quanto somos frágeis e pequenos fisicamente,
mas como nossas idéias podem nos tornar gigantes
e eternos. Imaginava o significado real da nossa bandeira,
e a satisfação de ter cumprido minha missão
com o Brasil, levando-a pela primeira vez ao espaço.
Imaginava a alegria das pessoas do meu país vendo
as suas cores e o nosso Santos Dumont sendo homenageados
perante o mundo. Imaginava simples gratidão e muita
alegria no regresso. Imaginava a possibilidade de incentivar
milhões de jovens a buscarem pelos seus sonhos através
da educação. Imaginava um programa espacial
forte e ativo. Imaginava paz, trabalho e felicidade.
As
cidades eram lindas durante a noite. Tempestades, vistas
de cima, eram como pequenas árvores de natal. Beleza
e risco. Sim, havia o risco de não voltar, é
claro, mas tenho certeza que minha família se orgulharia,
mesmo na minha perda. Eles também foram sacrificados
pela prioridade de minha missão. Eles souberam como
apoiar. Eles sabem o valor das virtudes. Quanto ao restante
das pessoas, de todos eu não sei das virtudes.
Minhas
expectativas foram colocadas a prova no meu retorno. Porém,
apesar da decepção, continuei fazendo tudo
de acordo com minha missão de vida. Não me
curvei ao caminho fácil. Tenho orgulho disso. Assim
aprendi com meus pais. Assim é que eu sempre vou
agir, independentemente da opinião venenosa dos fracos.
Recebi
elogios verdadeiros e falsos. Críticas construtivas
e calúnias. Fui homenageado e perseguido. Percebi
que não era a mim que atacavam, mas o que eu represento.
Não era o presente que criticavam, mas sim as possibilidades
insuportavelmente boas do futuro. Conheci amigos falsos
e inimigos verdadeiros. Aprendi com todos.
De
qualquer maneira, o passado não se muda. A primeira
missão espacial brasileira decolou, e a bandeira
nacional, que já presenciou e presenciará
o deitar das flores de muitas gerações, chegou
triunfante ao espaço.
Eu
cumpri e minha parte, e carrego comigo, para a eternidade,
a satisfação de tê-lo feito com honra
e dignidade.
Agora
interessa o presente. Interessa o futuro. Interessa aqueles
que realmente fazem.
Sempre
temos a escolha do tipo de pessoa que queremos ser. Podemos
“fazer”, arriscar a perder, morrer, e vencer,
ou podemos ficar parados, congelados pelo medo, sentar e
apenas lamentar. Eu espero que nossos jovens brasileiros
escolham “fazer”. Eu confio na juventude. Eu
espero que a história baseada nos fatos reais de
antes, durante e imediatamente depois da Missão Centenário
sirva de exemplo para esses jovens. Que eles não
percam a esperança em sua missão, e possam
também ver “a sua Terra” e imaginar,
sem medo de enfrentar a vida, apenas coisas boas. Que eles
não se entreguem às enormes ofertas da desistência,
mas que se agarrem na tênue promessa da persistência.
A
missão espacial não foi o ponto mais alto
de minha vida. Este ponto ainda está por vir.
Hoje
trabalho mais, e mais feliz, do que antes da Missão
Centenário.
Durante
a primeira metade da minha vida eu me dediquei a chegar
ao espaço e provar para milhões de jovens
que não importa de onde você veio, importa
apenas para aonde você está indo. O filho de
um servente tornou-se o primeiro astronauta profissional
de nacionalidade única de um país do hemisfério
sul do planeta. Entre mais de 6 bilhões de pessoas
na Terra, entrou para um pequeno grupo de pouco mais de
400 representantes da humanidade que conseguiram chegar
ao espaço.
Nessa
segunda metade de minha vida, que nunca sabemos quanto vai
durar, além de aguardar por uma nova missão
espacial como astronauta e incentivar o desenvolvimento
aeroespacial no país, minha dedicação
é voltada para compartilhar experiência, espalhar
educação, semear esperança, mostrar
confiança, ensinar e aprender, ser cada vez mais
humano.
Hoje,
exatamente depois de dois anos daqueles dias no espaço,
continuo muito feliz, na verdade muito mais feliz ainda,
continuo sonhando...continuo imaginando e lutando pelo bem.
Eu
agradeço a todas as pessoas que me ajudaram ao longo
dessa jornada, antes e depois da primeira missão
espacial brasileira. Sem eles, certamente nada seria possível.
Também
agradeço a todos aqueles que tentaram me prejudicar
e atrapalhar. Eles me deram a chance de descobrir que eu
era capaz de realizar muito mais do que eu imaginava. Eles
me deram a chance de vencer!